terça-feira, 21 de julho de 2015

Even In Death



Inspirada na música Even In Death de Evanescence.



Itália, 1879

Loucura. Se esta história pudesse ser definida em uma palavra, seria esta. Por que logo esta palavra? Podem existir várias definições para loucura, e se amar incondicionalmente for uma delas, então certamente, Cloe Scopelli poderia ser considerada uma das maiores loucas da cidade em que vivia, até mesmo do país. Mas sua loucura não era algo que pessoas consideradas "normais", em comparação a moça, gostariam de aderir para suas vidas. O amor a enlouqueceu de uma forma que quase ninguém conseguiria entender.

Deitada em seu quarto, ainda vestindo as mesmas roupas do dia anterior, ainda sem comer nada e com o a expressão vazia, ela encarava o teto enquanto segurava com força em suas mãos um pequeno retrato em preto e branco daquele que ela dizia ser o amor de sua vida. Quando se ouve essas últimas palavras, as maioria das pessoas pensa que poderia se tratar de uma história de amor como outra qualquer, um conto de fadas com um final feliz, mas nem tudo na vida pode ser um mar de rosas.

Há vários dias ela estava naquele estado, todos na casa fizeram de quase tudo para tirá-la dali, mas em vão. Ela só tinha uma coisa na cabeça e apenas isso a faria sair dali: Seu amor. Mas como ele poderia vir buscá-la? Como poderia cumprir sua promessa e tirá-la daquele lugar? Não havia uma solução, não havia um meio de realizar seu desejo insano, porque ele não voltaria mais. Mas como era possível que ele não estivesse mais em seu mundo? Não, não era verdade. Não podia ser verdade.

Quando a notícia chegara aos ouvidos de Cloe, todos a sua volta ficaram espantados com sua reação. Ela negava e negava. Gritava, chorava e esperneava conforme sua família tentava acalmá-la. Durante três dias ela esperou por algum sinal de que ele voltaria para ela, não houve uma noite sequer em que ela não fosse até a sacada de seu quarto e esperasse que ele aparecesse de surpresa, como fazia sempre, quando todos estavam dormindo. Mas não havia nada. Estava frio naquela época e a neblina atrapalhava um pouco sua visão, mas ela saberia se ele viesse. Infelizmente, apesar de toda sua expectativa e esperança, ele não veio, tudo o que conseguia ver lá fora eram as sombras de sua imaginação. Ela chegou a até mesmo acreditar que fora abandonada, até que a terrível realidade finalmente foi aceita, ou quase.

Dê-me uma razão
Para acreditar que você se foi
Eu vejo sua sombra
Então, sei que eles estão todos errados

Ela estava presa em seu pequeno mundo, em sua mente ela repassava os momentos que passara com ele até aquele dia fatídico, cada "Eu te amo" ainda estava preso nela. Seu devaneio foi interrompido quando alguém bateu em sua porta.

– Entre. - Disse com seu tom de voz monótono e melancólico, que antes era alegre e gentil.

A mulher que batia era sua mãe, que entrou no quarto segurando uma bandeja com chá e um prato de biscoitos, feitos por suas próprias mãos. Normalmente ela não faria este tipo de coisa, tinha seus empregados para isso, mas a tristeza da filha a incomodava. Ela colocou a bandeja sobre uma mesa e se voltou para a garota.

– Cloe, eu lhe trouxe um lanche.

– Não estou com fome.

– Você precisa se alimentar. - Disse enquanto se sentava ao lado de Cloe.

– Não preciso.

A mulher respirou fundo, não poderia deixar a filha naquele estado deplorável.

– Faz dias que não come nada e nem sai do quarto, vai morrer se continuar assim. - Às vezes, a mãe de Cloe não media suas palavras, mas em parte ela tinha razão.

– Então que eu morra. - Respondeu sabendo exatamente o que estava dizendo, era evidente toda a tristeza e a raiva que ela estava sentindo.

– Nunca mais diga uma coisa dessas. - Repreendeu a mãe elevando um pouco sua voz.

Irritada, a jovem virou de costas para a mãe e escondeu o rosto em um travesseiro.

– Por que não sai um pouco, come alguma coisa? - Perguntou a mulher voltando a um tom mais suave enquanto acariciava os cabelos da filha.

– Não quero.

– Não pode ficar assim para sempre, ainda mais por causa de um homem. Sei que está sofrendo, mas você precisa seguir em frente...

E então, conforme sua mãe falava, era como as palavras não fossem nada além de zumbidos, até que Cloe parasse de ouví-la completamente e voltasse seus pensamentos para a única coisa que importava para ela naquele momento.

De repente, um sentimento bateu nela de forma brusca e repentina, a saudade. Ah sim, ela sentia falta de seu amor. E como não sentiria? Mesmo que ainda não fizesse uma semana desde que ele partira, era como se fosse uma eternidade, até mesmo porque ela nem sequer fora ao enterro e nem visitara seu túmulo. Então, uma ideia veio em sua mente, não apenas uma ideia mas sim um desejo, um enorme desejo. Ela queria vê-lo, matar as saudades que tanto sentia.

Em um movimento brusco e repentino ela se levantou, assustando a mãe, correu até seu guarda roupa em busca de alguma coisa para cobrir os ombros, já que usava um vestido de mangas curtas e lá fora batia um vento muito gelado, que ela podia sentir devido a janela aberta. Enquanto ajeitava o cabelo rapidamente e limpava o que restara de uma maquiagem mal feita apenas para que não vissem suas olheiras de noites mal dormidas e a palidez de sua pele, sua mãe se levantou lentamente de onde estava e a olhou surpresa.

– Aonde vai?

– Vou vê-lo.

– Você não pode sair a essa hora da noite e além do mais...

– Não importa o que você pensa. - Cortou a mulher antes que terminasse.

Cloe sabia que sua mãe faria inúmeros protestos para impedí-la de vê-lo. A jovem acreditava que sua mãe ficara aliviada com a notícia, o que talvez fosse verdade. Era certo dizer que os pais de Cloe nunca aprovaram completamente seu relacionamento, e depois de muita insistência, seu pai concordara em aceitar o pedido de casamento do rapaz, mesmo que não fosse totalmente de acordo jamais conseguiria ver o sofrimento da filha por amor.

– Pare de fingir que se importa com meu sofrimento ou até mesmo que está triste, pois eu sei que você o odiava e deve estar dando Graças a Deus por finalmente terem o tirado de mim, mas você não vai me impedir de vê-lo.

– Cloe, você não vai sair dessa casa. - Decretou. Ela não havia criado sua filha para falar com ela daquela maneira.
A moça nem ao menos respondeu, apenas saiu do quarto e correu em direção às escadas.

– Cloe! - Chamou a mulher a seguindo pela casa.

Cloe desceu as escadas apressadamente e saiu pela porta da cozinha o mais rápido possível em direção ao estábulo. Ela pediu ao menino que estava cuidando do lugar para que celasse seu cavalo e assim ele o fez. A moça montou e saiu apressadamente pelo campo. Mesmo com os protestos de sua mãe, seu pai a ensinara a montar, e muito bem. A essa altura a mãe de Cloe já deveria estar se queixando com o sr. Scopelli sobre o comportamento da menina e ele deveria apenas estar dizendo para deixá-la em paz.

Já estava muito escuro, mas a luz da lua guiava Cloe, mesmo com o vento gelado batendo em seu rosto e com o risco que corria sozinha em uma estrada a noite, ela não deixaria seu amor esperando por ela nem mais um minuto.

A luz da lua sob a macia terra marrom
Me guia ao lugar onde você repousa
Eles tiraram você de mim
Mas agora vou levar você pra casa

Depois de alguns minutos cavalgando, ela finalmente chegou a uma colina onde havia uma enorme árvore e embaixo dela o túmulo de seu amado. Ali era onde os entes queridos dele eram enterrados, próximos a sua campa estava sua mãe e seu irmão mais novo, ambos morreram durante o parto, anos antes.

Ela se ajoelhou diante do túmulo, tentara a qualquer custo evitar o dia em que fosse vê-lo, era difícil aceitar a dor em seu coração, e agora ela estava ali diante de uma cena que ela só esperava ver apenas daqui a muitos anos. Ele morrera baleado, mas isso já não importava mais para Cloe, ela tentava não pensar nisso. Uma lágrima involuntária escorreu e ela rapidamente a enxugou, sempre tentara ser forte o quanto podia.

– Oi meu amor. - Falou baixo, como se apenas o espírito dele ali pudesse ouví-la e respondê-la.

Cloe carregava consigo uma flor que pegara no meio do caminho, ela a colocou sobre o túmulo e demorou-se a tirar a mão de sobre a terra que o cobria, era como se ainda pudesse tocá-lo e senti-lo uma última vez. Ela fechou os olhos e então se permitiu derramar mais uma vez todas aquelas lágrimas, as mesmas lágrimas que ela derramava todas as noites. Depois de alguns minutos ela se levantou e foi embora, mas não sem antes murmurar um "Eu te amo". Não era uma despedida, pois ela voltaria.

Depois de voltar para casa e receber um sermão da mãe e uma pequena repreensão do pai, ela conseguiu dormir tranquila pela primeira vez desde que seu amor morrera.

Eu vou estar pra sempre aqui com você, meu amor
As coisas gentis que você me disse
Mesmo na morte nosso amor continua

Pelos dias que se seguiram Cloe continuou visitando o túmulo de seu amado, parecia loucura, mas ela conversava com ele, era como se ainda estivesse ali apenas para ela, apenas para vê-la. Aos poucos ela voltou a ter uma rotina, fazia as refeições com seus pais e seus irmãos, mas pouco falava, saia do quarto com um pouco mais de frequência e às vezes ficava na varanda sozinha enquanto lia algum de seus livros.

– Você precisa parar com isso Cloe. - Dizia sua mãe.

– Por quê?

– Você só sai de casa para ir naquele túmulo, até parece que se esqueceu que ainda está viva. - Aquilo deu uma pontada no coração de Cloe. - Precisa sair mais, falar com as pessoas. Você nunca foi assim, sempre ia às festas dos vizinhos do condado, conversava mais conosco e era mais alegre... Não gosto de ver você assim e sabe disso.

– Não posso fazer nada se a senhora não aceita que eu ainda o ame.

– Isso é loucura Cloe.

– Não importa.

Até mesmo o pai de Cloe já estava começando a se queixar da insistência da filha em ainda continuar indo ao túmulo do moço, ele mesmo já sugerira que ela parasse com aquilo e alertou-a de que um outro jovem da região estava interessado em se casar com ela, mas a moça recusou. Irritado com as atitudes de Cloe, seu pai decidiu trancá-la em seu quarto por alguns dias como forma de castigo, as atitudes dela estavam passando dos limites, quando o castigo terminou, o homem tentou convencê-la a parar mas ela não iria aceitar.

Alguns dizem que estou louca pelo meu amor, meu amor
Mas nenhum vínculo pode me tirar do seu lado, meu amor
Eles não sabem que você não consegue me deixar
Eles não ouvem você cantar para mim

Durante uma noite, fria e nebulosa, claro sinal de que iria chover, Cloe ignorou todos os protestos de sua família e saiu escondida ao encontro ao seu amado. Ela se sentou diante do túmulo como fazia todas as noites.

Tantas lembranças vinham em sua mente quando estava ali, como às vezes em que ele tocava violão para ela e de vez em quando até cantava, os poemas que ele recitava pra ela, os inúmeros passeios a cavalo e os piqueniques que faziam embaixo das grandes árvores do campo. Como também se lembrava das noites em que fizeram amor na cabana que pertencia ao rapaz, era um lugar pequeno porém aconchegante, era um pouco afastado da fazenda de seu pai, onde ele ia para ficar sozinho e fazer coisas que gostava, como ler seus livros em paz, e mais tarde se tornara o ninho de amor do casal. Os pais de Cloe jamais suspeitaram daquela parte secreta da vida da moça. Ela se lembrava com muita nitidez das juras de amor que trocaram naquela cabana.

– Ninguém entende, ninguém nunca entendeu nosso amor. Por que é tão difícil para as pessoas aceitarem? Parece que ninguém quer me ver feliz de nenhuma maneira. - Ela dizia ao espírito de seu amado. - Queria que você estivesse aqui.

Ela abaixou a cabeça por alguns minutos e deixou algumas lágrimas caírem. Ela levantou a cabeça quando sentiu algumas gotas de chuva começarem a cair, mas ela não sairia dali.

– Eu te amo tanto, meu amor.

Enquanto fazia mais uma vez sua declaração, a chuva apertou e o ventou soprou mais forte, e era como se seu amado estivesse sussurrando sua resposta com ele nos ouvidos de Cloe.

Cloe saiu de seu transe quando ouviu o som de galope se aproximando, ela sabia que era seu pai.

– Cloe! - Chamou ele se aproximando. - Cloe, não deveria ter saído com esse tempo. - Ela se levantou rapidamente.

– Eu precisava vir papai.

– Sua mãe ficou muito preocupada. Você pode ficar doente pegando essa chuva. - Disse enquanto descia de seu cavalo e se aproximava da filha.

– Não está zangado? - Perguntou tentando entender o porquê de ainda não ter levado um sermão.

– Na verdade, estou. - Respondeu sério, mas logo sua expressão se suavizou. - Mas acho que colocá-la de castigo, proibi-la de sair de casa ou qualquer outra coisa não adiantaria, você ainda o ama e sempre vai amar.

Cloe olhou para o pai com ternura, ele a entendia, mesmo que às vezes se irritasse, ele era muito próximo da filha.

– E sei que não posso impedi-la de vê-lo. Mas eu quero que você seja feliz Cloe, não posso deixar que você fique assim para sempre. Você entende? - Ela abaixou o olhar.

– Sim papai.

– Só quero lhe pedir uma coisa. Quero que tente ser feliz. Não suportaria ver minha filha a vida toda sozinha e sofrendo por um homem que se foi. Você promete para mim que vai tentar?

– Prometo. - Ele deu um leve sorriso.

– Agora venha, não quero que pegue uma gripe.

Cloe e seu pai montaram em seus cavalos, e antes que fossem embora, ela se virou para trás sem que o homem visse e murmurou apenas para que o vento ouvisse.

– Eu te amo.

E partiram.

Eu vou estar pra sempre aqui com você, meu amor
As coisas gentis que você me disse
Mesmo na morte nosso amor continua
E eu não posso te amar mais do que eu já te amo

Cloe tentaria cumprir a promessa que fizera a seu pai, mas mesmo que um dia encontrasse alguém com quem pudesse se casar, nem todos os presentes, nem todos os beijos, nem todas as declarações, nem todas as noites de amor poderiam fazê-la esquecer-se de seu primeiro e único verdadeiro amor. O primeiro e único homem a quem entregara seu coração e o único a quem amaria pela eternidade. E ela visitaria seu túmulo sempre e sussurraria um "Eu te amo" para o vento todas as noites, para que ele levasse a mensagem a seu amado e ele soubesse, em qualquer lugar que estivesse, que ela não o esquecera. E esperaria pelo dia em que poderia vê-lo de novo, que poderia estar em seus braços e sentir seus lábios novamente, sim, ela esperaria pelo dia em que o destino a levaria para perto de seu amado e eles ficariam juntos por toda a eternidade, pois suas almas estavam unidas mesmo após a morte.

As pessoas morrem, mas o verdadeiro amor é para sempre.




A Última Canção Que Desperdiço Com Você



Inspirada na música The Last Song I'm Wasting On You de Evanescence.



Me olho no espelho e o que vejo? Pele pálida, olheiras profundas e tão escurecidas que chego a confundí-las com manchas de tinta, misturadas a maquiagem escorrida graças às lágrimas que você me fez derramar, vejo também um olhar, que antes poderia dizer-se que possuía um brilho, e que agora não passa de uma simples névoa de tristeza e raiva. Meu cabelo está preso de qualquer jeito, cheio de fios soltos e bagunçados, minhas roupas são meio simples e estão amarrotadas. Mas de que vale minha vaidade se nem ao menos isso te importa mais?

Um cinza cintilante

São minhas próprias veias

Não durmo há dias e a culpa é sua. Quando deito minha cabeça no travesseiro não consigo ter sequer um minuto de sossego, mesmo quando você se joga do outro lado da cama e dorme dando-me as costas. Nem por um segundo consigo parar de pensar no que passei por sua causa, no que abandonei. Você diz que essas coisas não são importantes, mas você não tem coração. Você fez eu me afastar da minha família e eu aceitei sem pestanejar. Eu achava que não sentiria falta de tantas coisas que deixei para trás, mas agora percebo que foi um terrível engano, não valeu a pena nenhum dos sacrifícios que fiz por você. Sei que aqueles que amo estarão do meu lado para sempre, ao contrário de você, mas sei também que quando eles se forem, tudo o que me restará será você e eu acho que não quero isso. Meu coração que antes me dizia para amá-lo e segui-lo por toda a vida, agora grita para que eu me afaste de você.

Algo mais que um sussurro

Algum movimento repentino de meu coração

E eu sei, eu sei que eu terei que ver eles morrerem

Sei que até mesmo você um dia me deixará, seja no dia em que morrer ou no dia em que você finalmente irá se cansar de mim e perceber que isso tudo não passou de uma perda de tempo desenecessária.

Só ignore esse dia

Estou cansada, especialmente de você. Você poderia estar fazendo qualquer coisa agora, seguindo o seu caminho, e quem sabe, poderia até ser mais feliz se não estivesse comigo agora. Não quero mais te seguir, desisto de tentar. A culpa que antes me consumia, agora não é nada comparado as coisas que descobri, pois a culpa é sua. A culpa é sua se não sou feliz, a culpa é sua se estou longe da minha família, a culpa é sua se sofri por todos esses anos. Estive presa a você por tanto tempo, seguindo aquilo que seria considerado ético, mas é demais. Não posso mais aguentar. Mas, infelizmente não posso apenas jogar tudo na sua cara, pois tenho culpa também.

Lembro-me perfeitamente do dia em que deixei de lado todos os meus conceitos éticos e morais, esqueci do juramento de fidelidade que fiz a você e me deitei com outro homem, e não apenas uma vez, por puro ódio e vingança. Nunca esquecerei os dias em que abri sua preciosa gaveta em seu escritório e me apoderei sem pudor de grandes quantias em dinheiro, cujas quais neguei saber do paradeiro até hoje. Da mesma forma que cheguei a culpar algumas de nossas empregadas por boa parte das "brincadeiras" que fiz para te atormentar, culpei inclusive uma daquelas que descobri ser uma de suas amantes, fato que até hoje você nega.

Desisto de teu caminho, você poderia ser qualquer coisa

Desisto de meu caminho, e me perco, não hoje

É muita culpa para pagar

Você dizia que me amava, mas agora descubro que eram meras palavras ditas com tanta futilidade quanto qualquer outra. Deveria ter escolhido suas palavras com mais cuidado, naquela época eu poderia me derreter de paixão facilmente apenas por ouvir qualquer coisa dita por você, mas não sou a mesma idiota de antes.

Do que adiantou me dizer aquelas palavras conquistadoras se depois você passou a me tratar com palavras frias, duras, reflexos desse seu coração podre? Quantos gritos seus tive que aturar? Derramei tantas lágrimas por sua causa e você não ligou, me disse tantas e tantas vezes que não me aguentava mais, fora as vezes em que você me agrediu fisicamente, e eu jamais tive coragem para revidar, para te deixar, para gritar para o mundo todo ouvir o monstro que você é.

Adoecido ao sol

Você ousa dizer que me ama

Mas você me manteve pra baixo e gritou que queria que eu morresse

Querido você sabe, você sabe que nunca te machucaria dessa forma

Mas com o tempo eu aprendi a apreciar sua dor. Confesso que adorei ver seus problemas na empresa, talvez se passasse menos tempo me traindo com a vagabunda da sua secretária, seu trabalho fosse melhor. Fingi por muito tempo que não ligava para a droga do seu dinheiro, mas com o tempo percebi que valeria a pena arrancar tudo de você.

Você é tão agradável em sua dor

Não posso mais viver à sua sombra. Eu poderia ter feito qualquer coisa que tivesse vontade, poderia ter sido quem eu quisesse. Eu tinha tantas coisas que gostaria de ter realizado e você nunca me apoiou. Quando perdi nosso filho, aquele que pude segurar em meus braços apenas uma vez, fora outros dois abortos, você realmente achou que um simples abraço e menos de cinco palavras de consolo serviriam para apagar minha dor? Você acha que não percebi que eu nunca lhe importei coisa alguma? Deixei meus sonhos de lado para viver meu "grande amor", mas agora seguirei meu caminho, terei novas perspectivas do mundo e não precisarei mais viver nesse seu mundinho maldito.

Desisto do meu caminho, e eu poderia ser alguma coisa

Eu farei meu próprio caminho

Sem o seu estúpido ódio

Há três dias que tomei coragem e sai de casa, hospedei-me em um pequeno hotel, queria mostra a você que não preciso mais de seu dinheiro, achei que deixando-lhe por um tempo o faria perceber que você não é nada sem minha presença. Fico imaginando qual fora sua reação ao descobrir que eu não estava mais em casa, talvez você tenha enlouquecido ou talvez nem tenha ligado, me divirto ao pensar nas possibilidades.

Me odeio, me odeie mais do que você já odiava, não ligarei, não mais. Não aguento mais você, não aguento mais ouvir sua voz, olhar na sua cara, sentir seu toque ou até mesmo sentir seu cheiro. Faça o que lhe aprouver, suas ações não me afetarão mais.

Então fuja, fuja, fuja

E me odeie, se lhe parecer bem

Eu não aguento mais ouvir seus gritos

Você me traiu tantas e tantas vezes que não consigo mais contar, você nega, mas eu não sou burra. Você me contou tantas mentiras, mas eu não acredito em mais nenhuma de suas palavras. Com o tempo nossa relação decaiu mais e mais, e eu aprendi a lidar com isso. Passei a aceitar que não tivéssemos mais nossas noites de amor, que não jantássemos mais juntos, que não viajássemos como antes fazíamos todos os anos, até mesmo as festas eram monótonas e sem graça quando tinhamos que compartilhar o óxigênio no mesmo ambiente. Agora eu quero minha liberdade.

Você mentiu pra mim

Mas estou crescida agora

E não acredito mais, baby

Arrumo minha pequena mala, guardando todos os meus pertences com cuidado, especialmente aquele que seria de grande importância para mim a partir de agora. Retorno para casa durante a noite e não o encontro, acredito que, se não estiver com alguma de suas amantes ou no bar com os amigos, deve estar preso no trabalho, se é que alguma vez esteve, já que essa era uma de suas desculpas mais comuns.

Vou até o cômodo onde se encontra o piano, talvez a única coisa boa que você tenha feito por mim, mesmo que inconscientemente. Fecho a porta, que nunca entendi o porquê de estar ali, sento-me e começo a tocar uma lenta melodia, a última que tocaria para você. Sobre o piano deixei algo lhe aguardando.

Ouço de repente a porta se abrir e fechar, sei que você chegou e certamente virá ao meu encontro quando ouvir o som do piano, sei também que abrirá a porta bruscamente devido a raiva que deve estar sentindo de mim, por mim pode derrubá-la. Jamais tive coragem para lhe abandonar para sempre e você mesmo nunca permitiu, lembro-me da última vez em que foi atrás de mim. Sei a pessoa horrível que você é, não só para mim, mas como também foi para outras pessoas. Agora encontrei a melhor solução. Não quero mais seu dinheiro, não quero sua casa, seu status, muito menos seu suposto "amor".

Exigindo minha resposta

Não se importe em levar a porta abaixo

Eu encontrarei uma saída

Você vem a mim exatamente como previ, seus gritos já não me causam o mesmo efeito de antes. Você me faz muitas perguntas e eu as respondo calmamente como se fosse uma simples discussão, enquanto toco a doce melodia. Você percebe que não olho em sua direção, então para diante do piano para mudar o foco do meu olhar. Ainda não percebeu o que trouxe para você. Depois de suas duras palavras, algumas até piores do que todas as outras qua já havia escutado nesses últimos anos, eu finalmente me manifesto da maneira que gostaria. Explico a você tudo o que estou sentindo e conto-lhe meus segredos mais sujos, enquanto me divirto com sua expressão. Jamais pensou que eu fosse capaz de tais coisas, não é mesmo?

Você me xinga, me chama de vagabunda e outros adjetivos chulos, coisas como "louca" também fazem parte de sua resposta. Eu sorrio e volto a ficar séria. A última coisa que digo ao parar de tocar é:

– Eu te odeio. Não vou mais permitir que você faça o que quiser comigo nem com ninguém. Serei feliz.

Você mal tem tempo de me responder, pois seus olhos agora estão repletos de medo e desespero. Enfim saco a arma que estava sobre o piano e depois de admirar todo o espanto que lhe causei, finalmente me vejo livre de você. Não ligo para as consequências, talvez nem haja alguma caso eu consiga os contatos corretos, além do mais, tenho meu dinheiro guardado e um plano perfeito para partir desse lugar e nunca mais voltar para essa vida, mas não pensarei nisso agora. Enquanto vejo o sangue escorrer lentamente, preenchendo a sala com meu triunfo, ainda me arrisco a tocar as últimas notas da melodia antes de me retirar do local com calma e orgulho.

E você nunca me machucará novamente.